quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013


A Renúncia do Papa Bento XVI:

Reza o Cânon 332 #2 do Código do Direito Canónico que " Se acontecer que o romano pontífice renuncie ao seu munus, para a (sua) validade requere-se que a renúncia seja feita livremente, e devidamente manifestada, mas não que seja aceite por alguém".
A apreciação que se segue não visa um registo jurídico "stricto sensu" mas apenas uma análise conjuntural do contexto em que essa renúncia ocorreu.
Uma renúncia implica cessação de uma posição pessoal ou de um estatuto ou de um cargo, pondo fim à intervenção que o seu autor tinha num dado processo . Nesta situação o processo porventura continuará mas sem a activa intervenção do renunciante. No caso em apreço, a renúncia de um Papa implica assim abdicar do seu cargo, da sua categoria, do seu estatuto, enfim do seu papel interventivo nos destinos da Igreja que tem a seu cargo.
Bento XVI é tido como um teórico e intelectual por excelência no Vaticano. Há quem diga que era já Papa antes de o ser. Conhece assim bem as consequências da sua renúncia, quanto mais não seja por a renúncia de um Papa ser um caso muito esporádico na Igreja, sendo que a última ocorreu em 1415. A renúncia de um Papa, não se confunde com a de um clérigo qualquer. É a renúncia de chefe da Igreja Católica com todo o peso, significado e alcance que tal implica. Bento XVI tem por isso a plena consciência do acto que praticou, do que a sua renúncia implica, e do significado que assume, aqui e agora em 2013.
A renúncia causou por isso surpresa, muita surpresa senão mesmo pasmo. Sem verdadeiramente se saber a razão e o conteudo da renúncia ou interpretar o que subjaz a este acto (aliás o Canon, cautelosamente, não exige qualquer motivação para a renúncia), vozes logo se apressaram a qualificar o gesto da sua santidade como um acto de grande coragem, por reconhecer as suas limitações físicas e a sua incapacitação pela idade, pouco se cuidando que por esta via estavam a envolver a grande maioria da superior hierarquia da Igreja. A ser verdade estes justificativos, teríamos que concluir que a Igreja Católica é cuidada por uma brigada de reumático. 
Ora a realidade tem demonstrado que tais razões não correspondem á verdade. É certo que cada caso é um caso. Mas verdade é também que tem havido Papas muito mais velhos que este e muito mais enfermos ( veja-se o seu antecessor Paulo II e a curvatura que suportava) e que levaram o seu mandato até ao fim, precisamente pelo significado que assume a sua estatura perante o mundo e perante os fiéis da religião. Assinala-se ademais que as viagens que empreendeu são demonstrativas que nada fazia prenunciar incapacitação física ou mesmo deficiência. É o próprio Papa aliás a reconhecer que o seu acto de renúncia, apesar da gravidade que comporta, é um acto que pratica consciente e livremente, portanto em pleno uso e gozo das suas faculdades. A sua actividade continua até as 20.00 hrs de 28 de Fevereiro.
Não parecem até ao presente como totalmente convincentes as razões de idade (85 anos) ou de doença (portador de um pace-maker, com pilha mudada há 3 meses) para justificar a renúncia.
Há que enveredar por outros caminhos esclarecedores.Não há dúvida que a Igreja se debate com muitos e complexos problemas - o envolvimento da Igreja em escândalo financeiro - banco lombrosiano -; o caso do mordomo condenado -; a pedofilia no seio do clero - ; a ineficácia dos apelos de paz do Papa, limitada á boa intencionalidade - ; o laxismo cada vez maior dos crentes-; a diminuição da população religiosa, que abraça outras igrejas-; a desactualização e o desrespeito dos ensinamentos e imposições da Igreja-, a dificuldade para controlar a Cúria-; estas e outras situações constituem de facto factores de grande preocupação, que conduzem a interrogar o papel da Igreja no mundo actual. Mas a verdade é que este tipo de preocupação não devia sem mais constituir motivo para desistência, demandando antes que se revissem a metodologia eclesiástica e os metodos de trabalho para melhor contribuir para a moralização e dignificação da humanidade.
 Porém, Bento XVI teórico intelectual de matiz conservador, não querendo atender aos sinais do tempo, mais se empenhou na condenação da teoria de libertação e ignorar a tendência e os caminhos contemporâneos da humanidade. Não foi capaz de suportar nem resistir às inconformidades do seu tempo e do seu munus, entre o que pregava, o que confiava ser acontecimento e o que via acontecer.