O ERRO E A CULPA DE PUTIN
Desde o início da guerra na Ucrânia, tem sido exuberante a
panóplia de artigos, opiniões, sugestões, pareceres, declarações e comentários
de mais variado timbre, na generalidade condenando o estado bélico a que vimos
assistindo. Os meios de comunicação social, têm, por sua vez, se esforçado para
transmitir a realidade possível deste estado de tensão que afeta as pessoas
amantes de paz, particularmente na Europa.
Três são as linhas de juízo para este entendimento. A
subitaneidade desta guerra; depois, a proximidade do conflito e as grandes e
desastrosas proporções que atingiu e ameaça atingir ainda mais, e finalmente, a
conotação que ainda se faz da atual Federação Russa com a URSS, já inexistente
desde 1991. A Rússia, faz parte, isso sim, da ampla família de estados de
economia liberal da Europa e da América.
Olhando para o mapa da Europa, é flagrante a União Europeia e
alguns países que integram a NATO bordejarem a Federação Russa há anos. À parte
a endógena provocação que constitui a mera existência de qualquer bloco bélico
militar como a NATO, não há notícia de qualquer hostilização direta resultante
deste contexto.
Em 1999, Vladimir Putin, sucedeu a Boris Yeltsin, poder esse,
que ainda hoje mantém. Durante todo este tempo, a Rússia esteve rodeada da EU e
da NATO. Quaisquer motivações que possam ser apresentadas para explicar a
“operação militar especial”, não se descortina, todavia, culpa do povo
ucraniano neste domínio, jamais poendo Putin justificar esta intervenção
militar obrigando famílias inteiras a fuga das suas casas, ora pelo medo, ora pela
sua destruição por bombardeamento.
Em pleno séc. XXI, na fase de evolução em que a sociedade
humana se encontra, a solução da inquietude social jamais pode passar pelo
ajuste de um choque armamentista, com todos os perigos que um tal contexto
comporta, nomeadamente os decorrentes da arma nuclear (mesmo afastada
qualquer intencionalidade do uso “do nuclear”, basta apenas cogitar num
possível erro de estimativa, para avaliar o perigo subjacente numa guerra. É
altura de relembrar Albert Einstein quando cogitava que, se a III guerra
mundial for nuclear, a IV será com calhaus e varapaus).
Nenhum país ou povo deseja a guerra. Sabe-se que esta implica
o uso de armas para matar. Ninguém quer morrer. A evolução intelectual da
sociedade humana globalmente configurada é adversa a qualquer conflito bélico.
Em termos civilizacionais é o diálogo e a diplomacia que imperam.
Mas a tragédia repete-se com a Ucrânia, que nem é mais grave
nem menos grave que a daqueles povos que foram ou continuam a ser vítimas das
ambições político militaristas materializadas em Blocos ou Pactos,
como o foram a Coreia, o Vietnam, o Afeganistão e mais recentemente o Iraque, a
Líbia, a Síria o Iémen, pródigas também em migrações e mortes, envolvendo
mulheres e crianças!
E aqui ressude a grande falha de toda a estratégia político-militar
de Putin, ao descurar, mais uma vez, esta comsequência marcante neste conflito. Mesmo concedendo que se possa tratar
de um dano colateral, a verdade objetiva é que se trata na realidade de uma ação
criminosa contra a humanidade. Nos moldes em que a operação militar russa
se tem desenrolado, se Putin não previu este êxodo, tinha por obrigação
prevê-la, com a necessária antecedência. E a prova disso está precisamente,
na circunstância de só tardiamente, decorridos cerca de 15 dias sobre os
bombardeamentos e já depois de mais de 2 milhões de ucranianos se verem
forçados a procurar outros acolhimentos na base de um futuro incerto, com
destaque para as mulheres e crianças, só então se ter proposto a autorizar
corredores para os deslocados se refugiarem em paragens que desconhecem.
Faço votos para que ainda se vá a tempo de evitar uma maior
catástrofe.
Lisboa- 14/03/2022
António Bernardo Colaço
(juiz-conselheiro do STJ – jubilado)
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